EXPRESSIONISMO ABSTRATO
Na busca de criar uma arte que pudesse representar a ascensão dos EUA como potência econômica e cultural, surge, em Nova York, no fim dos anos 40 e durante boa parte das décadas de 50 e 60, uma geração de artistas que fez com que as atenções se desviassem de Paris, tradicional pólo irradiador, e projetassem Nova York no centro dos acontecimentos.
Esse fenômeno ocorreu graças aos ânimos renovadores que este grupo de artistas encontraram nos EUA na época e também por causa dos estímulos de políticas institucionais afirmativas, que incitaram a produção artística norte-americana à condição de protagonista importante das profundas transformações culturais que tomaram impulso no pós-guerra.
O expressionismo abstrato era, de certa forma, bastante coerente com a política norte-americana do pós-guerra e da guerra fria. O governo dos EUA investiu no expressionismo abstrato com o intuito de exportar uma arte norte-americana para o mundo.
As vanguardas
O século 20 foi marcado pela divisão das vanguardas entre afirmativas positivas e pulsionais. As vanguardas afirmativas positivas desembocaram na Bauhaus, uma escola de arquitetura e artes decorativas fundada na Alemanha em 1919 e extinta em 1933, cujo ensino valorizava o funcionalismo, isto é, a idéia de que a forma deve resultar da perfeita adequação à função, e as pesquisas no campo das diferentes artes, e cuja influência foi marcante entre arquitetos e artistas de vanguarda. Estas vanguardas estavam sempre ligadas ao mundo da máquina e da funcionalidade. Este ramo das vanguardas nasceu, de certa forma, com o Manifesto Futurista escrito por Marinetti, no qual se faz uma ode, entre outras coisas, à velocidade, à máquina e também à guerra. Esta linha das vanguardas pode ser considerada como a das artes inseridas na produtividade capitalista.
Por outro lado, a outra linha das vanguardas, a linha pulsional e lírica, é marcada, desde o começo do século 20, por uma postura mais ligada a uma arte combativa, que criticava a razão instrumental, geradora da máquina, da eficiência e da produtividade defendidas pelas vanguardas afirmativas positivas.
Um exemplo das vanguardas pulsionais é o dadaísmo, que vai caracterizar os objetos de arte como verdadeiros “inutensílios”.
É nesse contexto que o expressionismo surge na Europa como um grito contra o totalitarismo. Seu ponto central está na angústia causada pelo surgimento de regimes totalitários.
O expressionismo está, portanto, ligado ao primeiro período da modernidade, que ocorreu antes da Segunda Guerra Mundial.
O expressionismo abstrato, por sua vez, surge nos EUA depois do final da Segunda Guerra Mundial.
Com o surgimento do conflito na Europa, muitos artistas mudam-se para os Estados Unidos, porém, depois da Segunda Guerra Mundial, o horizonte fica terrível, pois para os artistas a Segunda Guerra Mundial demonstra a capacidade destrutiva, genocida e tanatológica da racionalidade instrumental. Com isso as vanguardas que acreditavam na razão instrumental perdem a sua dimensão utópica e é nesse contexto que surge o expressionismo abstrato, que, por sua vez, será seguido pela arte pop, nos EUA.
Para Adorno, a arte pop, que sucedeu o expressionismo abstrato, será o conluio final entre a arte e a sociedade de consumo. Para ele, acabam os limites da mercadoria cultural ao se entronizar a coca-cola e a sopa campbell. Para Adorno, estas imagens não possuem interioridade ao serem usadas e mostradas ao extremo.
Porém, como já foi dito, antes da arte pop, há o expressionismo abstrato.
Começo difícil
Apesar de toda ajuda institucional que envolveu o movimento nascido em Nova York, o termo expressionismo abstrato chegou ao público norte-americano à maneira de uma gíria, como uma espécie de sinônimo de revolta. Ele foi criado e citado depois que alguns artistas foram excluídos de uma mostra no Metropolitan Museum, em 1950. O grupo de novos artistas adotou a expressão _que antes já havia sido usada para designar as obras de Kandinsky_ para evidenciar o descontentamento em relação às escolas tradicionais e às regras para a criação de uma ‘arte moderna e acabada”.
Apesar da união sob um mesmo lema, os artistas do grupo vinham de tradições diferentes. O que havia em comum era o extremo desejo de independência. Assim, poderiam conviver, lado a lado, obras abstratas e figurativas, as quais, muita vez, estavam bem distantes de qualquer abstracionismo. O que se procurava então era a liberdade plena em nome da invenção.
Quando o grupo formado por 15 artistas da New York School começou a mostrar afinidades na pintura. Logo duas vertentes se esboçaram. A mais identificada hoje com o expressionismo abstrato, que inclui Jackson Pollock, Willem de Kooning, Arshile Gorky e Robert Motherwell, ganhou do crítico Harold Rosenberg o título de ‘action-painting‘ (pintura de ação), em que o gesto do pintor é expresso na tela. A outra vertente foi batizada de ‘color-field painting‘ (pintura de campos de cor). Aqui, importa a vibração de grandes áreas monocromáticas; a tela expressa mais serenidade e exige contemplação. A esta pertenceram Mark Rothko, Barnett Newman e Ad Reinhardt. Há também pintores a meio caminho entre as duas, como Franz Kline, Cy Twombly e Joan Mitchell. Não havia muita uniformidade estilística, mas o desafio de fazer pintura abstrata com maior impacto sensorial era comum entre todos estes artistas. Depois, o expressionismo abstrato seria “confrontado” nos EUA, pela arte pop de Roy Lichtenstein, que por ter feito seus estudos dentro de um clima pouco favorável a qualquer arte figurativa acabou tornado-se um crítico do movimento. A predominância do expressionismo abstrato, devida ao sucesso de Jackson Pollock, De Kooning, Kline e outros, aliada à tirania hermética de críticos da época, gerou em Lichtenstein um sentimento de antagonismo e o forçou a assumir uma posição de satirista em relação à arte da época.
Definindo a verdadeira abstração como um sintoma do empobrecimento e simplificação da imagem, Lichtenstein começou a usar imagens do dia-a-dia, quadrinhos e publicidade em seus quadros, se apropriando também da estrutura sintática dessas imagens. Mesmo sendo criticado por produzir obras como se trabalhasse numa fábrica, Lichtenstein admitia conceber a arte como qualquer outra ocupação.
Por outro lado, assim como pensava Adorno, para o crítico de arte norte-americano Arthur C. Danto, a arte estaria morta desde os anos 60, ou seja, a arte pop não era arte. Para Danto, com o fim do expressionismo abstrato, a arte se desviou de sua grande vocação, e a partir da arte pop, e aqui está incluída a arte de Lichtenstein, um objeto artístico passou a ter o mesmo valor que uma embalagem encontrada num supermercado.
A escola
Expressionismo abstrato foi uma escola que nasceu de um ato de rompimento, de dizer não ao figurativismo e repensar as várias tendências que chegavam da Europa. Foi um grito pela liberdade do gesto livre, um escola que, paradoxalmente, segundo alguns críticos, trouxe razão aos sentidos. Contudo, mesmo sendo uma arte hoje considerada norte- americana, o que possibilitou em parte o surgimento do expressionismo abstrato foi, ainda, o talento e as experimentações que vieram da Europa.
O expressionismo surgiu do encontro dos estilos artísticos de pintores como o russo Mark Rothko e o alemão Hans Hofman, que transformaram e tiveram suas heranças culturais transformadas nos EUA, com os talentos norte-americanos do Wyomming, Texas ou Baltimore.
Nesse mesmo sentido, ao cubismo e ao surrealismo se somaram a tradição dos muralistas mexicanos e as pinturas paisagísticas, uma tradição americana. O resultado foi uma avalanche de cores. E intenções. Ao mesmo tempo em que Jackson Pollock (1912-1956) exprimia o que pensava ou sentia sobre o mundo e as paisagens de sua terra, acenando que o expressionismo abstrato era arte do sentimento que jorrava diretamente para a tela. Uma arte que, paradoxalmente, segundo o crítico Clement Greenberg (uma espécie de patrono do movimento), “pensava” o assunto de forma ampliada.
Aqui, mais uma vez, surge a contradição de uma arte pulsional, com o expressionismo abstrato, ser chamado por Greenberg como a arte da razão. Segundo ele, isso ocorria por um motivo extremamente simples. É com ela que a América sai de seu sonho infantil, em que um quadro é apenas um documento ou uma peça de decoração, e passa para a idade adulta. Este expressionismo possui sentimento, mas o sentimentalismo ele finalmente deixou no passado, tornando-se, assim, uma arte madura.
De Kooning e Pollock
De Kooning era um artista norte-americano que apontava para um imaginário oriundo da colonização do oeste. Sua arte era produzida sobre grandes suportes. Pollock, por sua vez, põe a tela no chão e com isso rompe com a tradição iconográfica da pintura ocidental.
Ao colocar a tela no chão Pollock criou uma relação entre a prática dos índios norte-americanos, que também desenhavam no chão, com seu trabalho. A pintura de Pollock é um rastro de um gesto livre no espaço. Essa idéia e as imagens criadas por Pollock tornaram-se, de certa forma, a representação da ‘Pátria Livre‘ que se pretendiam os EUA.
Apesar do fato de que as pinturas de Pollock não tinham nenhum planejamento prévio, suas telas não eram apenas um mero registro da ação, pois ele, depois de ter terminado a tela, julgava se ela tinha ou não valor estético.
O impasse enfrentado por Pollock está em saber se existe ou não o gesto livre, desprovido de qualquer pré-julgamento. Um gesto que fosse fruto do acaso.
Resposta Francesa
A resposta francesa ao expressionismo abstrato só viria nos anos 60, quando um grupo de artistas como Yves Klein, César, Arman e Niki de Saint Phalle criou o ‘nouveau réalisme’ (novo realismo). O movimento francês propunha uma volta ao figurativismo a partir de uma nova relação com o cotidiano e a sua absorção pela arte. Lembrava os dadaístas dos anos 10 e 20.
Por Renato Roschel
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